• 29 dez

    Travessia do Atlântico

    Almoço garantido!

    Finalmente na terceira semana de novembro começou a chegar a tripulação do Manga Rosa que iria fazer a travessia comigo. No total seríamos cinco, meus dois irmãos, André e Gustavo, meu sócio e amigo Marcos, o amigo de regatas Rafael, e eu.

    No dia vinte e um de novembro, depois de fazer todas as compras, armazená-las no barco e fazer o último churrasco de despedida com nossos amigos alemães, Reh e Guti, saímos para Tenerife. Lá iríamos esperar pelo Rafael que não tinha conseguido chegar antes da nossa partida de Lanzarote, e assim também já conheceríamos mais uma ilha das Canárias. Tivemos dois dias em Tenerife para fazer as últimas compras e conhecer um pouco da ilha. Fomos ao vulcão Teide, com 3718 metros de altura, o ponto mais alto da Espanha. Uma vista incrível, mas eu mesmo não aguentei nem cinco minutos lá em cima, o frio e o vento era de doer.

    Nosso último tripulante, o Rafael, chegou no dia 24. E como ele e o Marquinho tinham um vôo de volta para o Brasil no dia 13 de dezembro saindo de Barbados, não tínhamos muito tempo a perder. Então no dia seguinte, 25 de novembro, depois de muita ansiedade, finalmente soltamos as amarras para cruzar um oceano pela primeira vez.

    Todos os guias náuticos das Canárias mostram que nas pontas das ilhas o vento pode aumentar em dez nós para mais. E isso pudemos conferir que era verdade logo na primeira noite. Saímos às 15 horas e quando começou a escurecer já estávamos na ponta de Tenerife. Vínhamos velejando com ventos de 25 nós de popa e quando a ilha começou a acabar o vento subiu para 35 nós, com rajadas de 40 e ondas com mais de 3 metros!! Foi para deixar a tripulação esperta logo nas primeiras horas. Enrolamos a genoa (a vela da frente), colocamos a vela grande no terceiro rizo e o barco continuava a surfar as ondas a 17 nós!!! Serviu também para que todos confiassem mais no barco, pois mesmo com essas ondas e nessa velocidade o barco continuou muito seguro. Essa foi a única hora de tempo ruim em toda travessia, depois disso foram 16 dias de sol, mar azul, ventos de 20 nós pela popa e o barco velejando a 10 nós. Pescarias, culinárias, conversas de todos os temas no café da tarde, nadamos com golfinhos na proa do barco, sem internet, sem whatsapp, etc…. Uma paz difícil de explicar.

    O “stress”só voltou no fim da última semana! Com dois dias de calmaria no segundo e terceiro dia de travessia, o Rafa e o Marquinho já tinham dado por vencidos e sabiam que perderiam o vôo do dia 13. Mas como o barco começou a andar muito depois, as chances de chegarmos até a data do vôo começaram a aumentar outra vez. Íamos pegando as previsões do tempo pelo telefone via satélite com nossos amigos Pedrão e o Dimitri, que estavam no Brasil, e nos acompanhando o tempo todo. E mesmo com as previsões passadas por eles não dava para saber se iríamos chegar a tempo ou não. E nisso o “stress” ia aumentando já que eles teriam que cancelar o vôo até duas horas antes.

    Ninguém queria apostar se chegaríamos ou não. E por incrível que pareça, depois de 17 dias e meio de travessia, jogamos âncora em Barbados às 5:30 da manhã do dia 13 de dezembro, quatro horas antes do vôo dos dois para o Brasil. Mas ainda tínhamos que descer, ir até o porto, fazer imigração de todos, e eles teriam que chegar no aeroporto duas horas antes do vôo. Não deu tempo nem de comemorar nossa primeira travessia oceânica e já colocamos o bote na água para poder ir à terra. Claro que nessa hora, o motor que estava parado há 3 meses, não funcionou! Os dois iam remando desesperados e eu tentando fazer o bicho ressuscitar.

    Para encurtar a história, fui quase preso na imigração pois eu não poderia ter descido com os dois e as malas sem passar pela alfândega. Depois de uma correria tremenda para preencher todos aqueles formulários que irão ficar engavetados pelo resto da vida e não servem para nada, eles entraram no táxi e às 7:30 estavam no aeroporto. Bem, eu? Eu ainda tomei um chá de cadeira na imigração, mas no fim me deixaram voltar para barco onde estavam meus dois irmãos me esperando.

    Nesse dia em que os dois desceram, subiram a bordo outros dois amigos que já estavam nos esperando em Barbados para passar uma semana no Caribe com a gente, o André e o Murilo. Ou seja, chegamos em Barbados depois de 17 dias e a tarde já estávamos levantando âncora outra vez para seguir para Bequia, 80 milhas à oeste, já próximo a Tobago Cays, a jóia do Caribe e nossa meta nessa semana.

    Na manhã seguinte já estávamos ancorados em Porto Elizabeth, em Bequia. Apesar de ser uma ilha bastante pequena, há bastante serviços para barcos e já aproveitamos para arrumar alguns detalhes que quebraram na travessia e também o motor do bote. Nesse dia aproveitamos para descansar de verdade, dormir sem balançar e sem fazer turnos na madrugada depois de 18 dias, que prazer!

    Como meus irmãos e nossos amigos tinham apenas 6 dias para navegarem pelo Caribe antes de voltarem para casa, saímos cedo de Bequia para termos mais tempo em Tobago Cays. E foi só ancorar e mergulhar para descobrir porque aquele lugar é incrível. Tartarugas ao monte, arraias, lagostas, conchas gigantes, e até um tubarão meu irmão disse que viu! Aí vai de cada um acreditar ou não, eu ainda tenho minhas dúvidas.

    Logo que chegamos, um cara veio nos oferecer um jantar de lagostas na praia por 45 dólares cada um, bastante caro para nós que ganhamos em real e não estamos no melhor momento para fazer esse câmbio. Mas foi só o cara abrir o isopor e mostrar as lagostas gigantes ainda vivas no botinho dele, que nós cinco já começamos a salivar e nem pensamos no preço: fechado!! Lagosta para o jantar!

    Às 19 horas estávamos a postos com garfos, facas e principalmente as mãos, prontos para uma noite de puro exagero gastronômico. Comemos lagostas até não aguentar mais. Se pensar que se fosse no Brasil seria o dobro do preço, até que saiu barato!

    Passamos o dia seguinte inteiro em Tobago Cays mergulhando e explorando as outras ilhas que cercam os recifes. Uma imagem mais incrível que a outra.

    No dia 17 de dezembro começamos a descer para chegar em Grenada até o dia seguinte, onde eles pegariam o vôo para Barbados e eu esperaria pela Dani e as crianças que estavam chegando para me encontrar depois de quase dois meses.

    Antes de chegar em Grenada paramos uma noite em Carriacou para encontrar um casal de velhos amigos de Paraty, o Agustin e a Simone do veleiro Huaiqui. Depois de sonharmos por muito tempo juntos, aqui estávamos nós, eles subindo do Brasil e nós chegando da Europa. Cada um com seu barco em pleno Caribe e combinando de passar o Natal e Ano Novo juntos em alguma ancoragem de Grenada. Sonho realizado para ambos!

    No fim da tarde do dia 18 de dezembro encostamos no pier da Prickly Marina em Grenada. Ali com bastante dor me despedi dos meus irmãos, que já estavam comigo há mais de um mês, e dos meus amigos André e Murilo. Pela primeira vez iria passar o Natal longe deles e dos meus pais, mas tudo na vida tem um preço, e às vezes não é barato.

    A recompensa veio depois de dois dias quando chegaram a Dani, o Renan e a Marina de volta para o barco. Que alegria sentir o cheiro deles novamente, os choros, as brigas, risadas e tudo que existe numa família normal.

    Aqui em Grenada vamos passar as festas de fim de ano e esperar pela chegada do meu sócio, que desta vez vem com a família toda para passar duas semanas pelas ilhas do Caribe com a gente.